quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sensação de mudança


Fazendo um balanço de 2009 posso dizer que ele foi um ano muito intenso, aliás os últimos 3 anos foram de grande transformação na minha vida, momentos de crise em vários aspectos que me desestabilizaram inclusive emocionalmente, mas que hoje analiso só me fortaleceram como profissional e como mulher. Sinto que esse ciclo se fecha e que agora uma nova fase está por vir. É a vez da calmaria, dos objetivos realizados, de levar a vida menos a sério, tempo de deixar acontecer... Não sou vidente, cartomante ou coisa parecida, só ando tendo uma grande sensação de mudança, consigo ver minha vida andando de uma forma mais harmônica, e tendo a acreditar nas minhas intuições.
Hoje o equilíbrio faz parte da minha vida, aprendi à duras penas a usá-lo e hoje sei pacientemente fazer escolhas sem tanta ansiedade e a esperar a vida se escarregar de trazer as respostas que procuro. Continuo sonhadora mas com os pés fincados no chão. Desejo como todo mundo que o próximo ano eu tenha um crescimento profissional e financeiro, e que receba de presente um amor para vida toda com tudo que tenho direto! Mas, desejo muito mais intensamente que eu tenha saúde, assim como minha família e amigos, para buscar tudo que desejo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Organiza o Natal


Por Carlos Drummond de Andrade


Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.E será Natal para sempre.
Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Pobrezinho nasceu em Recife...

Francisco era um menino de pés no chão com seus 8 anos recém completados, um magrelo com perninhas tão fininhas que dava dó, cabelos encaracolados caídos na testa e a boca banguela num sorriso largo. Morava com sua mãe e mais 5 irmãos numa palafita de madeira e papelão na maré do Recife, sem banheiro, sem asseio, sem comida, sem cidadania. Nasceu dentro do mangue que nem carangueijo. Sua mãe era uma mulher ainda jovem mas envelhecida de tantos meninos que pariu, do sol forte na cabeça, e de tanto catar latinha para reciclar, ganhar centavos e trazer um pouco de comida para casa. O seu pai, sumiu no mundo. Chiquinho, como era chamado, era um menino sem eira nem beira, da beira da maré. Faltava tudo em sua vida, só não faltava o coração puro de criança, sem maldade e sem malícia. Chutava lata, desenhava no chão, soltava pipa, pulava de um pé só, mergulhava na maré quando estava mansa e ria de ter dor de barriga, só chorava mesmo quando sentia a barriga doer de tanta fome. Criancinha doce como todo menino de 10 anos. Mas, um dia nublado de dezembro um moço alto que ele não conhecia, disse que era o Papai Noel e que se ele fizesse um favorzinho daria para ele algo muito bom em troca. Chiquinho franziu a testa e ficou sem entender, o bom velhinho que ele via na TV não tinha pele parda, bigode fino e nem uma arma na mão, e sim o saco cheio de brinquedos. O moço disse para ele que iam brincar de avião, que se ele fizesse a brincadeira direitinho ele daria a ele um saco cheio de balinhas doces. O menino sem pestanejar, correu como um jato e entregou a encomenda assim como Papai Noel pediu. E, de tão rapidinho que foi, o Papai Noel o escolheu para ser seu fiel escudeiro, assim como eram os duendes que fabricavam os briquedos para o natal. Ele começou a pedir para chiquinho fazer o vôo de avião quase todos os dias, e já não ganhava um saco de balinhas doces e sim um dinheirinho que pagava o pão dos seus irmãos. Assim, Chiquinho se tornou o piloto de avião mais veloz do Papai Noel, que de bom velhinho já tinha mais nada, pois quando o menino se atrasava ele o enchia de cascudos. A pobre da mãe do Chiquinho não tinha o que fazer, o menino já não era mais dela, era do moço de arma da mão. Até que um dia, o menino já não conseguia mais deixar de voar. Só não voava mais nos seus sonhos. Papai Noel o forçou a usar balas, não as doces que ele tanto gostava, mas aquelas que machucam, que matam. Chiquinho neste natal está preso numa instituição de menores infratores, sem o coração puro, com maldade e com malícia. Tráfico de drogas e assassinato. Pobrezinho nasceu em Recife...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Duas pedras de gelo


Ele levava o violão debaixo do braço. Assim, como a música do Zé Keti. Gostava até de uísque cowboy, apesar de ser urbano ao extremo, mas preferia com duas pedras de gelo. Amava o asfalto e as mulheres bonitas que atravessavam a caminho da praia com seus biquínis fio dental. Um homem boêmio de pouco mais de 40 anos e muitas histórias para contar. Um amante fugaz mas intenso. Um conquistador que nunca se esforçou em correr atrás de um rabo de saia, elas que corriam atrás do homem de pele envelhecida mas de boa aparência. Um solteiro convicto sem filhos, pelo menos que ele saiba. Alguém já disse um dia que ele era o pai de seu filho, mas os exames negaram. Ele era só. Só porque não tinha dono nesse mundo, mas nunca estava só porque tinha muitos amigos. E como tinha amigos. Na mesa do bar em que frequentava ele sentava o violão em seu colo. Boteco movimentando e frequentado pelos boêmios da cidade. O gelo no uísque tilintava. A voz saia rouca mas afinada. As moças deslustras de família ou sem família, se aproximaram e batiam nas coxas fazendo um leve som de estalo. Esse homem só podia gostar de Bossa Nova.

Fim da linha

Ela o viu de longe no bar. Coincidência ou não, na mesma mesa e bar que eles foram na primeira vez que ficaram juntos. Comida japonesa e cerveja. O coração acelerado confirmava a ansiedade de vê-lo depois de 6 meses que tudo findou entre eles. Um casal de namorados aparentemente feliz e promissor, afinal, eles já estavam juntos a 2 anos e meio antes do remate. A moça morena ficou surpresa e fingiu inicialmente que não o viu esperando uma oportunidade de cumprimentá-lo quando trocassem olhares sem querer, essas coisas de mulher. Mas, isso não aconteceu. Aquele namorado de um passado recente não levantou a cabeça para olhá-la nos olhos, para falar ou para sequer acenar. Vestia uma camisa listrada e tinha uma aparência mais envelhecida desde que ela o viu pela última vez. Ele olhava compenetradamente para o copo e apenas trocava palavras curtas com o amigo silencioso ao seu lado. Ela não entendia o porque daquela reação, se era raiva por algum motivo desconhecido, vergonha, timidez ou se no fundo aquele antigo namorado sabia que nunca tinha sido tão amado por uma mulher como foi pela aquela antiga namorada e isso o constrangia. Ela nunca vai saber e no fundo do seu coração nem queria saber, porque tudo que ela viveu ao lado dele já fazia parte do passado. O seu amor acabou como um último gole de vinho seco Cabernet Sauvignon. Mas, mesmo assim a antiga namorada do namorado que olhava o copo de cerveja tomou coragem e foi até ele e por pouco ele não deixou de olhar o copo para olhar para a antiga namorada, mas para não envergonhá-la disse um olá sem sorrisos Ela sentiu vergonha da atitude infantil dele e ficou triste em perceber que uma amizade tão bonita, uma parceria com confidências tão particulares virou pó e o vento levou. Ela pegou um táxi e voltou para casa pensativa analisando a sua trajetória dos últimos 3 anos. E como foram longos aqueles anos. A vida dela mudou muito ao lado dele, mas mudou mais ainda desde que eles se deixaram. Hoje a moça de sorriso largo está feliz profissionalmente, escreve e fala, coisas que mais gosta de fazer. Ele a ajudou a chegar até ali, a tirou de uma enorme tristeza por diversas vezes e a apoiou a mandar a angústia para escanteio. Ele foi um bom namorado. Ela também foi. Ele se sentia a vontade ao lado dela, e ela o fazia sorrir enquanto o ajudava a ter coragem de enfrentar a vida. A moça morena o respeitava do jeito que ele era, mesmo quando a maioria das pessoas julgava que ele tinha algo errado em seu comportamento. Seus amigos diziam que foi a melhor coisa que aconteceu a ela o fim do namoro, até os amigos dele também repetiam a mesma ladainha para espanto da moça. Ele era seu amigo além de amor. Ela o defenderá de tudo de mal que falarem e o respeitará pelo resto da vida. Ele faz parte da vida dela e ela sempre o levará um pouco em seus novos hábitos. Pena que nem a amizade restou por mero orgulho do antigo namorado. Enfim, ela entendeu que o fim, é mesmo o fim da linha. Claro, nesse caso.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Trinta vezes mais mulher


"Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido(...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer"




(BALZAC)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Rato de sebo





Lúcida em excesso

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Por Clarice Lispector

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Subliminar sou eu


Venho falando muito sobre as tais mensagens subliminares, e senti vontade de pesquisar e escrever sobre esse assunto. E para não falar besteira melhor me apropriar do tema, então vamos lá...Se você já ouviu falar sobre as tais mensagens subliminares, tem uma noção ou talvez nem saiba o que é, mas ainda existem pessoas que fazem muita confusão sobre este assunto. O princípio é de que tudo está em nosso subconsciente, que registra fielmente tudo em nossa vida, o que vemos, sentimos, pensamos, sonhamos, ouvimos, falamos... Tudo.
Como já citei, fiz algumas pesquisas, e antes de qualquer coisa vamos a uma breve explicação do que é Mensagem Subliminar:
"As Mensagens Subliminares resumem-se na tentativa de passar uma informação ou idéia para um grupo de pessoas, de uma maneira abaixo do nível do consciente."
Óbvio, nada mais simples! Explicando melhor, a mensagem quando passada abaixo do nível consciente, passa a ser aceita pela pessoa que a recebe pois não encontra resistência ou oposição, que é criada por nós apenas quando estamos no estado consciente. Um exemplo disso é o sono. Quando sonhamos, deixamos nosso estado consciente e aceitamos tudo como se fosse real, sem oferecer resistência ou oposição. É assim que a mensagem subliminar funciona. Um exemplo claro é você, quando criança, soube que existia o sexo e logo viu que era uma coisa boa. E assim ficou no seu subconsciente, sexo é uma coisa boa. OK, mas logo vieram te dizer que era para esquecer isso, que sexo era uma coisa feia. Simplesmente "enterraram" (bloquearam) a informação anterior de que sexo era uma coisa legal. E esse bloqueio ficou no seu inconsciente, uma espécie de co-piloto, uma tapa buraco mental.
Sendo assim, a mensagem subliminar ultrapassa essas barreiras do consciente e do inconsciente e vai direto à informação de que ela necessita (no caso, de que sexo é uma coisa boa), que se encontra no nosso subconsciente, que tudo registra fielmente, não obtendo resistência ou oposição. Confuso? Tem mais...
A mensagem subliminar pode ser inserida em vários meios: vídeos, músicas, figuras e até em textos. Vai até no twitter... (risos)

Segundo o site Wikipédia:

Mensagem subliminar é a definição usada para o tipo de mensagem que não pode ser captada diretamente pelos sentidos humanos. Subliminar é tudo aquilo que está abaixo do limiar, a menor sensação detectável conscientemente. Importante destacar que existem mensagens que estão abaixo da capacidade de detecção humana - essas mensagens são imperceptíveis, não devendo ser consideradas como subliminares. Toda mensagem subliminar pode ser dividida em duas características básicas, o seu grau de percepção e de persuasão.
A
percepção subliminar é a capacidade do ser humano de captar de forma inconsciente mensagens ou estímulos fracos demais para provocar uma resposta consciente. Segundo a hipótese, o subconscienteé capaz de perceber, interpretar e guardar uma quantidade muito maior de dados que o consciente. Como exemplo, imagens que possuem um tempo de exposição pequeno demais para serem percebidas conscientemente, ou sons baixos demais para serem claramente identificados. Dados que passariam despercebidos pela mente consciente seriam na verdade interpretados e guardados.
A
persuasão subliminar seria a capacidade que uma mensagem teria de influenciar o receptor. Segundo a hipótese, toda mensagem subliminar tem um determinado grau de persuasão, e pode vir a influenciar tanto as vontades de uma forma imediata (fazendo por exemplo, uma pessoa sentir vontade de beber ou comer algo), como até mesmo a personalidade ou gostos pessoais de alguém a longo prazo (mudando o seu comportamento, transformando uma pessoa tímida em extrovertida). Esse grau de persuasão deveria variar de acordo com o tempo de exposição à mensagem, e a personalidade do receptor.
A percepção subliminar é de fato comprovada cientificamente, com inúmeros
experimentos que apresentaram fortes evidências. No entanto, até hoje, a persuasão subliminar não conseguiu ser comprovada, ainda que alguns pesquisadores independentes aleguem terem experimentos que de fato comprovariam a existência da persuasão. Infelizmente até hoje ainda não existe nenhum trabalho publicado em periódicos científicos que confirme essa afirmação, desde a época em que o conceito de mensagem subliminar foi definido.

Agora sim ficou claro, estou quase uma expert em entrelinhas. (risos) Mas, prefiro os meios diretos, claros e sinceros.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Da observação

"Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio..."

Mario Quintana - Espelho Mágico

De: Jullia 8 anos(sobrinha) Para:Karla(tia)Eu amo a minha tia(Karla)

Tia Karla, lembro do dia que eu e você brincamos...Quando eu cheguei para dormir na sua casa e depois do almoço você teve a idéia de nós fazermos um dia de salão de beleza, eu amei.Nós fizemos esfoliação no corpo, hidratação no cabelo, escova, chapinha, fizemos a unha etc...
Lembro também do dia que pegamos a nossa cachorrinha Malu, enrolamos ela no lençol e ela ficou parecendo uma minhoca, toda doida e a gente chamando ela e ela não conseguia ver nada, ficamos rindo muito.

Te amo muito e também amo muito Malu.


Minha sobrinha Jullia postando no meu blog, ela não escreve lindo? Não corrigi nada. Te amo muito também minha "gatuxinha", você é um presente de Deus na minha vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Samba de bamba ♪


O homem negro, alto, de braços roliços e voz grossa sentou no bar e pediu uma cerveja estupidamente gelada. Ele era conhecido como Chicote, apelido dado na roda de capoeira do Alto da Sé de Olinda nos anos 70. Dizem que ele dançava na roda com tanta rapidez que lembrava um chicote açoitando a negrada. A cerveja chega e ele sem demora põe um pouco no copo americano, dá um longo gole e lambe os beiços grossos. Seu rosto é marcado pelo tempo, suas roupas muito usadas traziam a elegância dentro da simplicidade. Chicote, tira o pandeiro da sacola e começa a cantarolar um antigo samba. Ali sozinho, nem olhou para o lado. Cantava e bebia sua cerveja, e fechava os olhos nos tons mais altos da música, como se fosse um lamento. Aquele homem garboso de pele escura que cantava Cartola, só podia ser biruta aos olhos dos outros. Para mim ele era a prova que basta apenas uma cerveja gelada e um belo samba para nos fazer companhia.

O primeiro beijo

Ela tomou coragem e disse que nunca foi beijada. Não sabia dar os beijos que via na TV. Ele riu com seus dentes amarelados e sardas no nariz, pegou-a pela mão e saíram andando pelo parque. Ele sentia a mão da menina de 14 anos tremer e suava ao pensar em como seria bom beijá-la. Menina esguia com porte de bailarina, cabelos ondulados na altura dos ombros e sapatinhos de boneca nos pés. Ele sorria para ela e ela desviava o olhar sorrindo timidamente pelo canto da boca. Ele tomou coragem e disse que também nunca beijou, mas isso era um segredo porque seus amigos não poderiam saber, afinal um menino que se preze tem que ter experiências. Ela balançou a cabeça e sorriu, até que ele se aproximou subtamente e a beijou os lábios até que suas línguas se encontraram. Em um sobressalto, a menina correu assustada. E ele continuou de olhos fechados sentindo o gosto da menina em sua boca.

Uma menina


Ana Clara nasceu franzina, com os olhos caídos e miúdos, cabelos castanhos ralinhos. Dava pena até de pegar no colo aquele ser tão mirrado. Olhar triste de criança feliz. Cresceu com os pés descalços, subindo nas árvores, riscando o chão. Morava no mato mas perto da cidade. Criança com alma do interior, que vive perto do caus urbano. Conversava com os cachorros e gatos, corria atrás das galinhas. Cheirava a terra molhada. Clarinha como todos a chamavam, era astuta apesar da timidez, entendia tudo que os adultos falavam. Ela sabia ser silenciosa, observadora e assim fazia com que todos coubessem na palma da sua mão. Ela era pura como toda criança, rezava para o papai do céu sempre que via uma estrela. E nunca esquecia de fazer seus pedidos a Santa Clara, santinha que tinha o mesmo nome que o seu, e que alguém disse que realizava milagres. Ela tinha lápis de cor e tintas coloridas, se deitava no chão e desenhava por horas os seus sonhos. Clarinha sonhava em conhecer o mundo, e nos seus desenhos tinham mar, florestas e até a lua. Quem sabe um dia não se visitaria a lua? Beijava e dava nome a todas as suas bonecas. As de pano eram suas preferidas, principalmente as pobrezinhas que já não tinham mais olhos ou braço. Elas faziam parte de cada brincadeira e eram cuidadas como doentes em fase terminal. A vaidade só nascia na hora de fazer suas trancinhas, impecavelmente arrumadas, que em alguns minutos já estávam um emaranhado de fios soltos. Menina com carinha de anjo, Ana Clara andava dançando, flutuva e chutava bolas. Moleca, corria atrás das borboletas mas sem machucá-las, elas eram suas amigas também. Assim como os sapos, os mosquitos e as joaninhas. Ela pulava amarelinha, muros e corda. Caia no chão e chorava escondido, tinha vergonha das lágrimas. Joelhos machucados e marcas nos cotovelos. Gostava de ser beijada na testa pela sua mãe, e das cócegas que seu pai fazia em sua barriga. Ria com seu sorriso bangelo dos seus 8 anos. E ficava séria de repende com rubor nas bochechas novamente envergonhada. Ela pediu a Papai Noel uma bicicleta de presente, cor-de-rosa e sem rodinhas, mas ela não cabe na meia pendurada na janela. Meia furada menos ainda. Fora que na casa simples no meio do mato não tem chaminé e se deixar a janela aberta os mosquitos fazem a festa durante a noite. Ela pede muito na sua cartinha que ele deixe na porta de casa, mas que não esqueça dela. Seu nariz é pequeno e fino, ar altivo de menina bonita, mas sem jeito, um moleque de tranças. Clarinha que como toda criança, só queria ser criança. Rir de si mesmo. Ter dor de barriga de tanto comer manga no pé.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Machismo

Insegurança é negativo, principalmente se for do sexo masculino. Esse é o meu machismo. Se tem medo, não sai de casa e não conhece ninguém.
Assim como diria a Dona Dora, dona da padaria e da cachorra do Alto da Compadecida, "eu adoro um hôme brabo, me sacode, me sacode"! (risos)

sábado, 5 de dezembro de 2009

A descoberta do amor


“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.Pois juro que a vida é bonita.”




Por Clarice Lispector

Não entendo. Alguém pode me explicar?


As vezes não me entendo. Outras tantas, não entendo as pessoas. Não entendo a instabilidade, a mudança, os momentos de dúvida. O sim e o não. Não entendo o medo que dá de tudo desandar, mesmo quando você nem ao certo tem certeza se quer que ande. Não entendo como deixamos os rastros ruins de outras pessoas ainda nos perturbarem tanto. Não entendo como em tão pouco tempo, deixamos um sentimento bonito entrar, mesmo quando você talvez nem queira que ele entre. Mas, mesmo assim se deixa a porta aberta, e isso eu também não entendo. Não entendo como se sente falta, vontade de falar e se quer o bem, de quem mal se sabe da vida, da história. Não entendo como é tão difícil dizer não e aprender a ser só. Não entendo como dizer sim, querendo dizer talvez. Não entendo como depois de tantas quedas, o coração ainda é capaz de vibrar. Não entendo como eu não consigo mais entender tantas coisas que antes eu entendia.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A complicada arte de ver


Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...


O texto acima é de Rubem Alves e foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Tentando - Amar em paz ♪


"Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz".

Amar em paz - Vinícius de Moraes

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"Caminhando e cantando..."

As vezes me pego presa nos meus pensamentos. Neles discorrem dúvidas frequentes do que será de mim no futuro. Onde estarei daqui a 5 anos, com quem estarei, se terei filhos, se terei um bom emprego, se amarei novamente, se morarei em outro país ou se ainda estarei nessa existência, são perguntas que me faço frequentemente e claro, não obtenho respostas. Seria bom que bolas de cristal existissem e as previsões astrológicas cumprissem exatamente o que dizem, assim como o tarô e o búzios. Eu particularmente não tive muita sorte com esses meios, até hoje eles não acertaram, mais inesperados que eles é o desenrolar da minha vida. Ansiedade? Pode ser, mas o que eu queria mesmo eram certas respostas, estas que poderiam mudar o rumo do meu destino, me fazer seguir pelo caminho correto. Mas, pensando bem? Saber o que vai acontecer deixa a vida tão sem graça, né? Sem surpresas e premeditadas. Lá vou eu me contradizendo novamente. Quero ou não quero saber do meu futuro, oras?!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Momento de indignação

Há uma enorme dificuldade em abrir os olhos das pessoas. Difícil fazer com que a ternura lhes penetre o cérebro. Comovê-las e despedaçar suas almas é fácil. Mas que lucro existe em lhes mudar os sentimentos, se continuam sendo idiotas?

domingo, 29 de novembro de 2009

Temperamento impulsivo



“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.

Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”


Clarice Lispector

sábado, 28 de novembro de 2009

Um tempo de mim


Dando um tempo. Tempo para abrir os horizontes. Tempo para ver o mar. Tempo para ouvir jazz, blues, e dançar tomando vinho tinto seco. Tempo de se dar e dar oportunidades. Tempo de beijos e outras "cositas más". Tempo de esquecer por algumas horas os compromissos profissionais, as causas sociais, os antigos e novos amigos, as cobranças, a crise financeira mundial, a vinda do presidente do Irã, o "ser ou não ser, eis a questão". Um tempo de mim, do meu stress, da insônia, do mês que falta no meu dinheiro. Não quero nada que tome meu tempo. Então, me dê um tempo! Um tempo para mim. Tempo para estar totalmente offline.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Tons de Porto

De volta a Porto de Galinhas. E, não posso deixar de repetir uma antiga frase minha "Que nunca mais você deixe de pensar em mim quando for a Porto de Galinhas, e escutar Bossa Nova em algum lugar que passar". Dias de sol na praia e noites regadas de vinho e música. A vida é assim, o mesmo lugar, momentos e companhias diferentes, felicidade semelhante. E como diz meu querido Prof. Tedesco "assim, eu vou navegando no barquinho da vida".

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O amor acaba - Paulo Mendes Campos


O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Dois ou três almoços, um silêncio. Fragmentos disso que chamamos de "minha vida"


Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro. Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos. Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas. Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece. De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia. Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria. Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.


Por Caio Fernando Abreu (Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)

A língua girava no céu da boca


"A língua girava no céu da boca. Girava!
Eram duas bocas, no céu único.
O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre.
Eu, ela, elaeu.Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu.
A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava.
Consumia-nos em piscina de aniquilamento.
Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.
A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência.
O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor."

Carlos Drumond de Andrade



Extraído do livro "O amor natural", Editora Record – RJ, 1992, pág. 29.
Ilustrador: Caco Xavier

sábado, 14 de novembro de 2009

O Rio Capibaribe por um olhar poético e político


Tu vens de muito longe, há muito tempo, desde que te chamavam de Caapiuar-y-be. Vences barreiras, abres veredas – e chegas aqui qual amante que se aloja no leito da mulher amada: ora forte, exuberante; ora sinuoso, como que a contorcer-se preguiçoso e carente após tremenda peleja. A cidade amada o acolhe sequiosa do teu vigor e do teu afeto. O tempo, porém, sob o vendaval da moderna desordem, perturba a tua relação com a cidade como os desencontros da vida ameaçam uma relação de amor. Já não és mais aquele, que ao olhar do poeta Cabral “Engoliu as terras, engoliu as casas,/Engoliu as cercas/E engordou seu corpo/Engolindo as noites, engolindo os dias.” Fostes envolvido pela sanha do lucro, do fausto, da ambição, da desesperança, da dor, do desamor. Agora, quando tu encontras o teu irmão gêmeo, o Bebyrype, e se abraçam ao encontro do imenso oceano, parece-se enfim derrotado. Mas ainda conservas a energia que brota do teu nascedouro, fonte renovável de tua força; e a cidade, essa amante cruel, como que arrependida, parece enfim acordar da longa noite de insensatez e, envolta pelo clamor da reinvenção da vida busca reiventar-se a si mesma e te reencontrar como dois seres que se amam retornam à pureza do primeiro encontro.

Essa minicrônica escrevi para a revista Perto de Casa, a pedido da editora Taciana Valença, em dezembro do ano passado. A inseri em meu comentário introdutório à audiência pública acerca do tema Impactos econômicos, urbanísticos e ambientais do Projeto Capibaribe Melhor, realizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara Municipal do Recife, nesta sexta-feira 13, com a participação de gestores públicos e diversificados segmentos da sociedade civil.

É preciso abordar os problemas centrais da cidade com rigor técnico, sim, e sobretudo com sensibilidade e compromisso social. Mais: sem deixar que a denúncia, o protesto e a polêmica – sempre úteis ao processo democrático – nos leve a perder a leveza e a esperança, que dão sentido e beleza à nossa luta em defesa da vida.O Projeto Capibaribe Melhor, pelo qual lutamos desde 2005, na gestão do prefeito João Paulo (de quem fui, com muita honra, vice-prefeito), agora se confirma com o financiamento do BIRD (70% dos 46,8 milhões de dólares orçados). Beneficiará a Bacia do Capibaribe, no trecho da BR 101 à Av. Agamenon Magalhães, proporcionando melhores condições de habitabilidade a 56.349 famílias (116.244 habitantes à margem direita e 109.152 à esquerda). Saneará cerca de 20 áreas à margem do rio e recuperará 11 canais. Construirá 2 pontes, pavimentará 30 ruas e avenidas, implantará uma ciclovia e viabilizará 3 parques.Um projeto de dimensão estratégica para a cidade – que deve ser acompanhado, sim, por toda a sociedade.


Luciano Siqueira- Artigo publicado no site da revista Algo Mais

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Não Comerei da Alface a Verde Pétala


"Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.


(Iludia-se o poeta. Num tempo em que as coisas andaram meio pretas, ele teve que se enquadrar direitinho e andou comendo legumes na água e sal como qualquer outro)".


Vinícius de Moraes - Fonte: www.releituras.com

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Dane-se!

Sem maiores alardes, apenas um desabafo.

O egoísmo é uma merda. Ops! Foi mal...


Descubra se você é um ser despresível e egoísta. Ou seja, um merda!

Egoísmo (ego + ísmo) é o hábito ou a atitude de uma pessoa colocar seus interesses, opiniões, desejos, necessidades em primeiro lugar, em detrimento (ou não) do ambiente e das demais pessoas com que se relaciona. Neste sentido, é o antônimo de altruísmo.
O
egocentrismo caracteriza-se pela fantasia de imaginar que o mundo gira em torno de si, tomando o eu como referência para todas as relações e fatos. Uma pessoa egoísta pode não ser egocêntrica, uma vez que luta para fazer com que os fatos se amoldem a seus interesses. A pessoa egocêntrica é egoísta, no sentido de que não consegue imaginar que não seja ela a prioridade no mundo em que vive. O egocentrismo é próprio da infância, como passagem para que a criança possa aprender a noção de referência a partir do eu e então aprender.

Natural ou adquirido? Há controvérsia se o egoísmo é uma característica natural humana ou se é um hábito adquirido, como um vício moral da pessoa. A psicologia do desenvolvimento observa que a infância se caracteriza pela passagem de uma atitude naturalmente egocêntrica - em que a criança tem por referência seu organismo e suas necessidades - para uma atitude social e interativa. Deste modo, o egoísmo seria a recusa da pessoa em deixar essa fase infantil, uma luta por manter viva a fantasia do egocentrismo.


Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pedra do caminho

Sinto falta de muitas coisas nessa vida. Tenho saudade de andar de bicicleta na infância e sentir a sensação de liberdade. Saudade do cheiro da comida da minha madrinha nos domingos. Saudade dos amigos de escola que ficaram apenas na lembrança. Saudade dos amigos de infância que fazem parte da minha vida, mas que só vejo nas confraternizações de fim de ano, e olhe lá. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade dos brinquedos que foram tão desejados, mas doados assim que eu cresci e esqueci deles. Saudade de uma cidade do interior onde ia para colônia de férias. Saudade de mim mesma, quando eu tinha mais audácia e menos medo de ser imatura.

Dóem essas saudades todas. Nostalgia dos tempos que já não podem mais ser vividos. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se amou. Que não se sabe mais o nome do que ainda sente ou se ainda sente qualquer coisa. E talvez eu nunca saiba que nome dar a essa saudade. Porque é uma saudade da voz, do cheiro e das manias. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Eu podia ir onde quer que fosse, mas se sabia onde eu estava. Eu podiria ficar um dia sem vê-lo, ou uma semana, mas sabia que esse amanhã existiria. Mas quando um dia o amor de um acabou, ao outro sobrou uma saudade que ninguém sabe deter, nem explicar, nem me dar todas as dicas do mundo, simpatias ou mandingas, mas nada consegue explicar essa saudade que ficou e nem o porque dela ainda existir depois de tantos meses. Saudade que não dá para saber, se vai. Porque dias depois, ela volta. É não saber mais se continua gripando no inverno ou sentindo as suas dores de cabeça tão comuns. Não saber se ainda usa a camisa que eu dei. Não saber se está estudando como prometeu. Não saber se tem comido demais ou de menos, se ainda faz exercícios. Se aprendeu a sorrir nas fotos. Se aprendeu a beber uísque ou se continua apenas na Skol ou Antártica, e se continua odiando cigarro. Se continua gostando de sushi de polvo ou se enjoôu. Se continua sorrindo de si mesmo quando faz algo engraçado ou mesmo "sem graça". Se ele continua sem saber dançar. E se em algum momento pensa se eu estou bem. Bem de saúde, se me formei, se consegui os objetivos que eu tinha traçado. Talvez eu nunca saiba disso. Saudade deve ser mesmo não saber do outro e eu que não entendo. É não saber encontrar modos de parar o pensamento e não se preocupar com que está acontecendo hoje e o que acontecerá amanhã. Não saber como parar de ficar por minutos entristecida diante de uma música, mesmo já fazendo tanto tempo, mas na hora vem a grande explicação, é a falta de notícias. É não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche, e sentir vergonha de dizer para as amigas que ainda sente saudade. Saudade de alguém que me apagou das lembranças, com uma grande borracha chamada distância. E isso eu nunca vivi e espero nunca mais viver em qualquer outra relação. Tantos dias ao lado de alguém, uma amizade e parceria intensos, e simplesmente como um passe de mágica essa pessoa não sabe nem mais quem sou eu. Nem sabe se ainda estou viva. A amizade desapareceu, e isso não faz parte das relações, não assim. Estranho e inusitado quando se davam tão bem e não ouve grandes problemas, além do fim que já era predestinado.

Não se sente mais, e eu não quero que sinta igual ou sequer parecido. Mas eu sinto. Sinto falta de saber notícias.

Mas de forma antagônica, minha saudade também não quer saber. Não quer saber como está seu namoro com outra pessoa, se ela é bonita ou feia, se ele está feliz, se ele está mais magro... Essa saudade não quer nunca mais querer saber de quem se amou, e ainda assim, dói. É cansar de dizer a todos que estou bem, que não sinto mais amor, mais que não quero nada além do que "constante" com outra pessoa. Que quero alguém para voltar a amar, muito mais do que amei essa saudade, e não apenas uma mera companhia que me faça rir. Quero o AMOR com letras garrafais. Estar por estar, prefiro a minha própria companhia, pelo menos ela eu não sinto saudade.

Cair de joelhos dói. Trancar o dedo numa porta dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, uma rasteira, um pontapé, um beliscão...doém. Dói morder a língua, dói cólica, dor de barriga e topada no pé. Mas o que mais dói é a falta de notícias, um esquecimento, o corte de todos os laços. Até o de amizade. Essa saudade é como uma pedra no caminho.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Independente Futebol Clube


Um rápido olhar sobre as ruas e praças da nossa cidade e logo destaca-se a crescente e colorida presença das mulheres, marcando fortemente uma diferença ao tempo de nossas mães. Nas últimas décadas vem ocorrendo uma grande mudança nos hábitos e costumes da população, progressivamente nota-se que nos restaurantes, bares, nas lojas, bancos, empresas, nas escolas e universidades, ou nas delegacias, o número de mulheres aumentou consideravelmente, mesmo que muitas vezes não estejam nos postos de comando ou com os melhores salários . Ainda assim, as mulheres já ocupam cargos altos na política, e ainda com representantes negras, que é um avanço e tanto na luta contra o preconceito no âmbito geral.
Nós desconhecemos a história do feminismo no Brasil, afinal este não é um país onde o sentido histórico seja predominante. Esse desconhecimento não deve nos fazer concluir que o movimento feminista não tenha tido um forte impacto sobre as estruturas sociais e econômicas, sobre as instituições políticas e principalmente sobre o modo de pensar das pessoas. Aliás, tentando satisfazer à sua possível curiosidade, apresso-me a dar algumas pinceladas sobre a história do movimento feminista brasileiro das últimas décadas.
Quarenta anos depois da conquista do direito feminino de voto no Brasil, em 1932, mas também da vitória dos padrões normativos da ideologia da domesticidade, entre os anos trinta e sessenta, assistimos à emergência de um expressivo movimento feminista, questionador não só da opressão machista, mas dos códigos da sexualidade feminina e dos modelos de comportamento impostos pela sociedade de consumo. No contexto de um processo de modernização acelerado, promovido pela ditadura militar e conhecido como “milagre econômico”, em que se desestabilizavam os vínculos tradicionais estabelecidos entre indivíduos e grupos e a estrutura da familiar nuclear, as mulheres entraram maciçamente no mercado de trabalho e voltaram a proclamar o direito à cidadania, denunciando as múltiplas formas da dominação patriarcal.
Nas últimas décadas, principalmente em meados dos anos 80, os homossexuais masculinos e femininos se organizaram, ao lado de outras “minorias” sociais, e se manifestaram em movimentos políticos reivindicando o “direito à diferença” e questionando radicalmente os padrões dominantes da masculinidade e da feminilidade. O movimento negro fortaleceu-se, invadindo os espaços públicos das universidades às praças, defendendo o “black is beautiful”, e colocando em cena as novas exigências e críticas das mulheres negras, diferenciando-se, por sua vez, das demandas dos feminismos “brancos”, hoje elas estão na mídia e como protagonista de novela das 8, com uma negra belíssima chamada Taís Araújo.
A contrapartida à violenta ditadura militar foi a explosão de uma vigorosa cultura da resistência, que se expressou na crítica política ao regime, a exemplo das composições musicais de Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil, assim como na proposta de modos alternativos e libertários de vida em sociedade, a exemplo do movimento hippie. Inicialmente dirigida ao regime militar, a “revolução cultural” em curso nas décadas de sessenta e setenta, no país, estendeu seus questionamentos à sociedade burguesa mais ampla, encontrando várias correntes do pensamento internacional envolvidas com a crítica à modernidade. Assim, paradoxalmente, no mesmo momento em que se vivia aqui uma violenta repressão política e cultural, que afetava radicalmente a vida pública, cerceando a palavra e a ação, desfazendo os antigos espaços de sociabilidade e interação social, assistia-se à emergência de novas formas de produção cultural, tanto nos setores ligados às lutas da resistência, quanto entre os mais indiferentes, ou mesmo comprometidos com a ditadura militar. Multiplicavam-se os espaços culturais e desportivos, tanto dos que pregavam o “culto californiano do corpo”, quanto dos que criticavam as formas sociais aburguesadas e que, inspirados pelos orientalismos, recorriam à yoga, aos relaxamentos terapêuticos, aos tratamentos psicológicos e psiquiátricos, à alimentação macrobiótica e naturalista.
A classe média urbana, em especial, passou a solicitar e desfrutar das inúmeras formas de tratamento psicológico, ao viver de maneira brutal a ruptura de antigos padrões de relações familiares, a quebra dos antigos modos de sociabilidade e a destruição da esfera pública e das antigas formas de convívio e solidariedade.(Figueiredo, 1994)Nesse contexto de crise e de construção de novos modelos de subjetividade, desde os anos setenta, emergiu o “feminismo organizado”, como movimentos de mulheres das camadas médias, na maioria intelectualizadas, que buscavam novas formas de expressão da individualidade.(Goldberg, 1986) Em luta contra a ditadura militar, defrontavam-se com o poder masculino dentro das organizações de esquerda, que impediam sua participação em condições de igualdade com os homens nos movimentos então construídos. Assim, as primeiras organizadoras dos grupos e jornais feministas, em meados daquela década, iniciaram um movimento de recusa radical dos padrões sexuais e do modelo de feminilidade que suas antecessoras haviam ajudado a fundar, nos inícios do século 20. Mais do que nunca, as feministas colocaram em questão o conceito de mulher que a afirmava enquanto sombra do homem e que lhe dava o direito à existência apenas como auxiliar do crescimento masculino, no público ou no privado.
Paralelamente aos movimentos sociais que se levantavam contra a ditadura militar, - como o movimento das mulheres que se organizava na periferia das principais cidades - mas que não incluía em sua agenda as bandeiras do feminismo -, as feministas propuseram-se, desde meados dos anos setenta, a denunciar a dominação sexista existente inclusive no interior dos grupos políticos, de sindicatos e partidos de esquerda.(Alvarez, 1988) Marcadas por uma experiência política de oposição, já que muitas eram ex-ativistas políticas e vinham do exílio forçado no exterior, ou então, das prisões, entenderam que o movimento pelos direitos das mulheres, no Brasil, deveria ser diferenciado e não subordinado às lutas que despontavam em múltiplos espaços sociais e políticos pela redemocratização no país.
Acima de tudo, as primeiras feministas brasileiras questionavam radicalmente as relações de poder entre os gêneros, que se estabeleciam no interior dos grupos políticos de esquerda e lutavam para impedir que a dominação machista fosse diluída ou subsumida pelo discurso tradicional da Revolução. No entanto, muitas traziam uma referência ideológica marxista, a partir da qual pensavam as relações entre os sexos. Assim, logo que estabeleceram as estratégias e táticas de seu movimento, definiram que o alvo maior de sua preocupação deveria ser as trabalhadoras, consideradas não Esta postura obedecia a algumas estratégias políticas: de um lado, obter o reconhecimento social de um movimento que colocava as mulheres como alvo principal; de outro, conseguir a aliança dos demais setores da esquerda, envolvidos na luta pela redemocratização, onde os homens davam as cartas e enunciavam um discurso político bastante característico. Além do mais, nesse momento, o marxismo ainda era considerado o principal instrumento teórico de análise no campo da política revolucionária.
O feminismo, nesse contexto, procurou pautar-se pela linguagem predominante na esquerda do país, dominando não apenas os conceitos marxistas, mas procurando provar como, em cada uma das questões levantadas pelos líderes e partidos políticos, era possível também perceber a dimensão feminina. Em suma, falando a linguagem marxista-masculina, as feministas esforçaram-se para dar legitimidade às suas reivindicações, para valorizar suas lutas e apresentarem-se como um grupo político importante e digno de confiança. Por isso, o editorial de NÓS MULHERES, publicado a 7 de março de 1978, propunha: “ Que as coisas fiquem claras: mantemos a firme convicção de que existe um espaço para a imprensa feminista, que denuncia a opressão da mulher brasileira e luta por uma sociedade livre e democrática. Acreditamos que a liderança da luta feminista cabe às mulheres das classes trabalhadoras que não só são oprimidas enquanto sexo, mas também exploradas enquanto classe.
”A idéia de que o conceito de classe deveria ser priorizado em relação ao de sexo revelava, portanto, que a apropriação da linguagem masculina, marxista ou liberal, era fundamental para se conseguir a aceitação na esfera pública masculina, que progressivamente se reconstituía. Era, portanto, uma estratégia de reconhecimento político e social fundamental num momento em que as barreiras para a entrada das mulheres no mundo da política eram pesadas demais, seja as impostas pela ditadura militar, seja as criadas pela própria dominação masculina, de esquerda ou de direita.

Na segunda metade da década de setenta e inícios de oitenta, nasceram inúmeros grupos feministas, mais ou menos próximos do campo marxista e dos grupos políticos de esquerda, ao mesmo tempo que abertos para os novos horizontes teóricos e políticos que se abriam no país, sobretudo com os “novos” movimentos sociais. Assim como outros grupos denominados de “minorias”, as feministas buscavam criar uma linguagem própria, capaz de orientar seus rumos na construção da identidade das mulheres como novos atores políticos.Somente depois desse primeiro momento de afirmação do feminismo enquanto movimento social e político que lutava pelos direitos das mulheres, mas que também se colocava na luta pela redemocratização do país, é que as feministas passaram a propor uma nova concepção da política, ampliando os próprios temas que constituíam o campo das enunciações feministas na esfera pública. Assim, questões antes secundarizadas como essencialmente femininas e relativas à esfera privada, isto é, não pertencentes ao campo masculino da política – a exemplo das relativas ao corpo, ao desejo, à sexualidade e à saúde – foram politizadas e levadas à esfera pública, a partir da utilização de uma linguagem diferenciada, que além do mais, permitia enunciá-las. Nesse momento de crítica acentuada à racionalidade ocidental masculina, já não mais definida apenas como burguesa, partiu-se para a afirmação do universo cultural feminino, em todas as dimensões possíveis. Isto implicava, no campo conceitual, a emergência de uma linguagem especificamente feminina e daquilo que se considera como uma “epistemologia feminista”, suficientemente inovadora em suas problematizações e conceitualizações, para apreender as diferenças.(Rago, 1998)Por vários lados, as feministas passavam a feminizar-se valorizando a linguagem feminina, os atributos e os temas femininos, o que significava mais do que um simples retorno aos seus valores próprios, um alargamento do campo conceitual, através do qual teciam suas críticas à sociedade patriarcal capitalista, revelando suas armadilhas e limitações. Mais do que nunca, passaram a pensar em si mesmas sob uma ótica própria, dando visibilidade ao que antes fora escondido e recusado, o que inevitavelmente levou a uma radicalização da potencialidade transformadora da cultura feminista em contato com o mundo masculino. Tratava-se, então, não mais de recusar o universo feminino, mas de incorporá-lo renovadamente na esfera pública, o que se traduziu ainda por forçar um alargamento e uma democratização desse mesmo espaço.As questões do mundo privado, da subjetividade, da família, da sexualidade, das linguagens corporais ganharam visibilidade e dizibilidade, tanto na prática cotidiana dos grupos feministas, quanto nos debates acadêmicos e nas reuniões dos militantes.
A ampla crítica cultural feminista não deixou de lado as próprias representações do feminismo, veiculadas na imprensa alternativa de esquerda, especialmente a partir da publicação do jornal MULHERIO, entre 1981 e 1988. A antropóloga Eliane Robert Moraes, por exemplo, num sugestivo e inteligente artigo perguntava-se “Feminista é Mulher?”, endereçando suas críticas tanto aos “rapazes” do jornal O Pasquim, para as quais as feministas só poderiam ser mulheres feias e mal-amadas, quanto às próprias feministas que reforçavam uma imagem negativa de si mesmas. Enfim, perguntava-se por que lutar pela autonomia feminina implicava numa dessexualização e num certo embrutecimento da mulher. O próprio jornal, em edição de março-abril de 1981, explicava seu título, afirmando:“Por que Mulherio? Mulherio. Quase sempre a palavra é empregada em sentido pejorativo, associado a histerismo, gritaria, chatice, fofocagem, ou então, “gostosura”. Mas qual é a palavra relacionada à mulher que não tem essa conotação? (...)Mulherio, por sua vez, nada mais é do que “as mulheres”. E’ o que somos, é o que este jornal será. “Sim, nós vamos nos assumir como Mulherio e, em conjunto, pretendemos recuperar a dignidade, a beleza e a força que significam as mulheres reunidas para expor e debater seus problemas. De uma maneira séria e conseqüente, mas não mal-humorada, sisuda ou dogmática.”Enfim, nesse novo feminismo, a estética, os cuidados de si, a saúde e a beleza do corpo passavam a fazer parte do leque temático sem, contudo, significar uma adesão acrítica aos ideais de beleza veiculados pela mídia. Muito ao contrário, passavam a compor as discussões relativas à saúde, vista agora numa perspectiva ampliada. Assim, vários artigos discutiam que tipo de beleza as feministas desejavam (“A beleza produzida”, “Espelho, espelho meu”, de Sivia Beck), enquanto a psicanalista Maria Rita Kehl questionava a aceitação/negação machista do corpo feminino, aceito apenas enquanto expressão de um determinado padrão estético:< “Se os homens afirmam que vêm na mulher antes de mais nada belos contornos, considero isso como um empobrecimento de sua capacidade de olhar e ver. Estou convencida de que nosso olhar sabe encontrar no homem sinais do que ele é, além dos contornos de sua musculatura.” (KHEL, Maria Rita. Mulherio, ano 2, no.5, jan-fev.1982, p.14-15).
A psicanalista feminista reforçava sua crítica observando como para ser ao mesmo tempo “moderna e atraente dentro dos padrões da boneca de luxo de antigamente”, as mulheres precisavam consumir muito mais, no interior de um sistema de referências ditadas pelo mundo masculino, em que o corpo feminino deveria ser ágil, limpo, magro, cheiroso e rígido. Propunha radicalmente “a subversão de nossos conceitos estéticos”: “A maior beleza é a do corpo livre, desinibido em seu jeito próprio de ser, gracioso porque todo ser vivo é gracioso quando não vive oprimido e com medo. E’ a livre expressão de nossos humores, desejos e odores; é o fim da culpa e do medo que sentimos pela nossa sensualidade natural; é a conquista do direito e da coragem a uma vida afetiva mais satisfatória; é a liberdade, a ternura e a autoconfiança que nos tornarão belas. É essa a beleza fundamental.” (idem) O repensar das práticas feministas levou, ainda, à decisão de abrir os guetos feministas e encontrar os inúmeros canais disponíveis e outros movimentos que ocorriam na sociedade.
As feministas ampliaram seu raio de atuação, entrando nos sindicatos, partidos, espaços de diferentes entidades da sociedade civil e, sobretudo, no “movimento de mulheres”, que se articulara, desde os anos setenta, na periferia de algumas cidades, como em São Paulo, apoiado pela Igreja de esquerda e pelos grupos políticos envolvidos na luta pela redemocratização. Esse movimento, embora mobilizasse um número excepcionalmente grande de mulheres, não levantava questões feministas como bandeira de luta. Lutava por creches, por transportes urbanos, por melhores condições de vida sem, contudo, serem incluídas questões femininas importantes, como o aborto e a violência sexual contra as mulheres, temas bastante pertinentes nos meios pobres e ricos. Assim, o contato que se estabeleceu entre os dois movimentos liderados pelas mulheres – o movimento feminista e o movimento de mulheres – foi certamente muito lucrativo para todas. Para as feministas, porque passavam a atingir uma rede muito mais ampla de mulheres; para as mulheres pobres da periferia, porque lhes traziam questões que dificilmente seriam enunciadas espontaneamente, como as referentes à moral sexual, ao corpo e à saúde. Fundamental nessa associação, o feminismo desenvolveu e ampliou suas bandeiras de luta, dando destaque às questões da violência contra as mulheres e dos direitos reprodutivos. Vale lembrar que, nesse período, e como parte de seu próprio processo de abertura aos diferentes canais de participação social e política, o feminismo também se caracterizou por iniciar um diálogo com o Estado, sobretudo a partir de 1982, com a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo. Em 1985, surge a primeira Delegacia Especializada da Mulher. Para muitas, isto significou um enorme perigo de institucionalização dos movimentos feministas, ameaçados de ser absorvidos pelo Estado “pós-autoritário”, mas ainda machista, enquanto outras julgaram os benefícios que daí poderiam resultar. Assim, se de um lado foram implementados determinados programas de ação como o PAISM – Plano de Assistência Integral à Saúde da Mulher – em 1984, a partir das propostas feministas de cuidados com o corpo e a saúde, de outro, várias feministas apontaram para as dificuldades de implementação efetiva do programa, que não contava com o apoio necessário do Estado.
Sem dúvida, são enormes as conquistas realizadas pelos feminismos em todos os campos da vida social, ao longo dessas décadas, especialmente no que se refere à aceitação das mulheres no mercado de trabalho e ao seu reconhecimento profissional. Por outro lado, não há como negar o fato de que todas as conquistas arduamente ganhas ao longo dessas últimas décadas pelos feminismos não estão consolidadas. Ao contrário, são continuamente ameaçadas por pressões machistas as mais conservadoras. Uma das principais queixas das “novas mulheres”, em geral, é a dupla jornada do trabalho e o acirramento da competição no mundo masculino. As duas questões não podem ser dissociadas, se considerarmos que a exigência da qualidade do trabalho feminino ainda é muito maior do que a que se dá em relação aos homens. As mulheres ainda pagam um alto preço por participarem da vida pública, como continuam a denunciar as feministas. Na verdade, a libertação feminina acarretou um aumento muito grande do trabalho feminino, especialmente para as casadas ou com filhos. A guerra entre os sexos não terminou e, aliás, se acentua nos novos fronts: o profissional e o afetivo, transformando radicalmente o modo de pensamento, com suas problematizações diferenciadas.

Você que é mulher e leitora do meu blog, já pode se retirar, percebendo que a mulher no Brasil do século 21 deixou de referir-se à prostituta, aliás, associação da qual atualmente quase ninguém mais se lembra...sorte a nossa!


Pesquisa em várias fontes. Algumas referendadas no texto.