terça-feira, 27 de outubro de 2009

Independente Futebol Clube


Um rápido olhar sobre as ruas e praças da nossa cidade e logo destaca-se a crescente e colorida presença das mulheres, marcando fortemente uma diferença ao tempo de nossas mães. Nas últimas décadas vem ocorrendo uma grande mudança nos hábitos e costumes da população, progressivamente nota-se que nos restaurantes, bares, nas lojas, bancos, empresas, nas escolas e universidades, ou nas delegacias, o número de mulheres aumentou consideravelmente, mesmo que muitas vezes não estejam nos postos de comando ou com os melhores salários . Ainda assim, as mulheres já ocupam cargos altos na política, e ainda com representantes negras, que é um avanço e tanto na luta contra o preconceito no âmbito geral.
Nós desconhecemos a história do feminismo no Brasil, afinal este não é um país onde o sentido histórico seja predominante. Esse desconhecimento não deve nos fazer concluir que o movimento feminista não tenha tido um forte impacto sobre as estruturas sociais e econômicas, sobre as instituições políticas e principalmente sobre o modo de pensar das pessoas. Aliás, tentando satisfazer à sua possível curiosidade, apresso-me a dar algumas pinceladas sobre a história do movimento feminista brasileiro das últimas décadas.
Quarenta anos depois da conquista do direito feminino de voto no Brasil, em 1932, mas também da vitória dos padrões normativos da ideologia da domesticidade, entre os anos trinta e sessenta, assistimos à emergência de um expressivo movimento feminista, questionador não só da opressão machista, mas dos códigos da sexualidade feminina e dos modelos de comportamento impostos pela sociedade de consumo. No contexto de um processo de modernização acelerado, promovido pela ditadura militar e conhecido como “milagre econômico”, em que se desestabilizavam os vínculos tradicionais estabelecidos entre indivíduos e grupos e a estrutura da familiar nuclear, as mulheres entraram maciçamente no mercado de trabalho e voltaram a proclamar o direito à cidadania, denunciando as múltiplas formas da dominação patriarcal.
Nas últimas décadas, principalmente em meados dos anos 80, os homossexuais masculinos e femininos se organizaram, ao lado de outras “minorias” sociais, e se manifestaram em movimentos políticos reivindicando o “direito à diferença” e questionando radicalmente os padrões dominantes da masculinidade e da feminilidade. O movimento negro fortaleceu-se, invadindo os espaços públicos das universidades às praças, defendendo o “black is beautiful”, e colocando em cena as novas exigências e críticas das mulheres negras, diferenciando-se, por sua vez, das demandas dos feminismos “brancos”, hoje elas estão na mídia e como protagonista de novela das 8, com uma negra belíssima chamada Taís Araújo.
A contrapartida à violenta ditadura militar foi a explosão de uma vigorosa cultura da resistência, que se expressou na crítica política ao regime, a exemplo das composições musicais de Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil, assim como na proposta de modos alternativos e libertários de vida em sociedade, a exemplo do movimento hippie. Inicialmente dirigida ao regime militar, a “revolução cultural” em curso nas décadas de sessenta e setenta, no país, estendeu seus questionamentos à sociedade burguesa mais ampla, encontrando várias correntes do pensamento internacional envolvidas com a crítica à modernidade. Assim, paradoxalmente, no mesmo momento em que se vivia aqui uma violenta repressão política e cultural, que afetava radicalmente a vida pública, cerceando a palavra e a ação, desfazendo os antigos espaços de sociabilidade e interação social, assistia-se à emergência de novas formas de produção cultural, tanto nos setores ligados às lutas da resistência, quanto entre os mais indiferentes, ou mesmo comprometidos com a ditadura militar. Multiplicavam-se os espaços culturais e desportivos, tanto dos que pregavam o “culto californiano do corpo”, quanto dos que criticavam as formas sociais aburguesadas e que, inspirados pelos orientalismos, recorriam à yoga, aos relaxamentos terapêuticos, aos tratamentos psicológicos e psiquiátricos, à alimentação macrobiótica e naturalista.
A classe média urbana, em especial, passou a solicitar e desfrutar das inúmeras formas de tratamento psicológico, ao viver de maneira brutal a ruptura de antigos padrões de relações familiares, a quebra dos antigos modos de sociabilidade e a destruição da esfera pública e das antigas formas de convívio e solidariedade.(Figueiredo, 1994)Nesse contexto de crise e de construção de novos modelos de subjetividade, desde os anos setenta, emergiu o “feminismo organizado”, como movimentos de mulheres das camadas médias, na maioria intelectualizadas, que buscavam novas formas de expressão da individualidade.(Goldberg, 1986) Em luta contra a ditadura militar, defrontavam-se com o poder masculino dentro das organizações de esquerda, que impediam sua participação em condições de igualdade com os homens nos movimentos então construídos. Assim, as primeiras organizadoras dos grupos e jornais feministas, em meados daquela década, iniciaram um movimento de recusa radical dos padrões sexuais e do modelo de feminilidade que suas antecessoras haviam ajudado a fundar, nos inícios do século 20. Mais do que nunca, as feministas colocaram em questão o conceito de mulher que a afirmava enquanto sombra do homem e que lhe dava o direito à existência apenas como auxiliar do crescimento masculino, no público ou no privado.
Paralelamente aos movimentos sociais que se levantavam contra a ditadura militar, - como o movimento das mulheres que se organizava na periferia das principais cidades - mas que não incluía em sua agenda as bandeiras do feminismo -, as feministas propuseram-se, desde meados dos anos setenta, a denunciar a dominação sexista existente inclusive no interior dos grupos políticos, de sindicatos e partidos de esquerda.(Alvarez, 1988) Marcadas por uma experiência política de oposição, já que muitas eram ex-ativistas políticas e vinham do exílio forçado no exterior, ou então, das prisões, entenderam que o movimento pelos direitos das mulheres, no Brasil, deveria ser diferenciado e não subordinado às lutas que despontavam em múltiplos espaços sociais e políticos pela redemocratização no país.
Acima de tudo, as primeiras feministas brasileiras questionavam radicalmente as relações de poder entre os gêneros, que se estabeleciam no interior dos grupos políticos de esquerda e lutavam para impedir que a dominação machista fosse diluída ou subsumida pelo discurso tradicional da Revolução. No entanto, muitas traziam uma referência ideológica marxista, a partir da qual pensavam as relações entre os sexos. Assim, logo que estabeleceram as estratégias e táticas de seu movimento, definiram que o alvo maior de sua preocupação deveria ser as trabalhadoras, consideradas não Esta postura obedecia a algumas estratégias políticas: de um lado, obter o reconhecimento social de um movimento que colocava as mulheres como alvo principal; de outro, conseguir a aliança dos demais setores da esquerda, envolvidos na luta pela redemocratização, onde os homens davam as cartas e enunciavam um discurso político bastante característico. Além do mais, nesse momento, o marxismo ainda era considerado o principal instrumento teórico de análise no campo da política revolucionária.
O feminismo, nesse contexto, procurou pautar-se pela linguagem predominante na esquerda do país, dominando não apenas os conceitos marxistas, mas procurando provar como, em cada uma das questões levantadas pelos líderes e partidos políticos, era possível também perceber a dimensão feminina. Em suma, falando a linguagem marxista-masculina, as feministas esforçaram-se para dar legitimidade às suas reivindicações, para valorizar suas lutas e apresentarem-se como um grupo político importante e digno de confiança. Por isso, o editorial de NÓS MULHERES, publicado a 7 de março de 1978, propunha: “ Que as coisas fiquem claras: mantemos a firme convicção de que existe um espaço para a imprensa feminista, que denuncia a opressão da mulher brasileira e luta por uma sociedade livre e democrática. Acreditamos que a liderança da luta feminista cabe às mulheres das classes trabalhadoras que não só são oprimidas enquanto sexo, mas também exploradas enquanto classe.
”A idéia de que o conceito de classe deveria ser priorizado em relação ao de sexo revelava, portanto, que a apropriação da linguagem masculina, marxista ou liberal, era fundamental para se conseguir a aceitação na esfera pública masculina, que progressivamente se reconstituía. Era, portanto, uma estratégia de reconhecimento político e social fundamental num momento em que as barreiras para a entrada das mulheres no mundo da política eram pesadas demais, seja as impostas pela ditadura militar, seja as criadas pela própria dominação masculina, de esquerda ou de direita.

Na segunda metade da década de setenta e inícios de oitenta, nasceram inúmeros grupos feministas, mais ou menos próximos do campo marxista e dos grupos políticos de esquerda, ao mesmo tempo que abertos para os novos horizontes teóricos e políticos que se abriam no país, sobretudo com os “novos” movimentos sociais. Assim como outros grupos denominados de “minorias”, as feministas buscavam criar uma linguagem própria, capaz de orientar seus rumos na construção da identidade das mulheres como novos atores políticos.Somente depois desse primeiro momento de afirmação do feminismo enquanto movimento social e político que lutava pelos direitos das mulheres, mas que também se colocava na luta pela redemocratização do país, é que as feministas passaram a propor uma nova concepção da política, ampliando os próprios temas que constituíam o campo das enunciações feministas na esfera pública. Assim, questões antes secundarizadas como essencialmente femininas e relativas à esfera privada, isto é, não pertencentes ao campo masculino da política – a exemplo das relativas ao corpo, ao desejo, à sexualidade e à saúde – foram politizadas e levadas à esfera pública, a partir da utilização de uma linguagem diferenciada, que além do mais, permitia enunciá-las. Nesse momento de crítica acentuada à racionalidade ocidental masculina, já não mais definida apenas como burguesa, partiu-se para a afirmação do universo cultural feminino, em todas as dimensões possíveis. Isto implicava, no campo conceitual, a emergência de uma linguagem especificamente feminina e daquilo que se considera como uma “epistemologia feminista”, suficientemente inovadora em suas problematizações e conceitualizações, para apreender as diferenças.(Rago, 1998)Por vários lados, as feministas passavam a feminizar-se valorizando a linguagem feminina, os atributos e os temas femininos, o que significava mais do que um simples retorno aos seus valores próprios, um alargamento do campo conceitual, através do qual teciam suas críticas à sociedade patriarcal capitalista, revelando suas armadilhas e limitações. Mais do que nunca, passaram a pensar em si mesmas sob uma ótica própria, dando visibilidade ao que antes fora escondido e recusado, o que inevitavelmente levou a uma radicalização da potencialidade transformadora da cultura feminista em contato com o mundo masculino. Tratava-se, então, não mais de recusar o universo feminino, mas de incorporá-lo renovadamente na esfera pública, o que se traduziu ainda por forçar um alargamento e uma democratização desse mesmo espaço.As questões do mundo privado, da subjetividade, da família, da sexualidade, das linguagens corporais ganharam visibilidade e dizibilidade, tanto na prática cotidiana dos grupos feministas, quanto nos debates acadêmicos e nas reuniões dos militantes.
A ampla crítica cultural feminista não deixou de lado as próprias representações do feminismo, veiculadas na imprensa alternativa de esquerda, especialmente a partir da publicação do jornal MULHERIO, entre 1981 e 1988. A antropóloga Eliane Robert Moraes, por exemplo, num sugestivo e inteligente artigo perguntava-se “Feminista é Mulher?”, endereçando suas críticas tanto aos “rapazes” do jornal O Pasquim, para as quais as feministas só poderiam ser mulheres feias e mal-amadas, quanto às próprias feministas que reforçavam uma imagem negativa de si mesmas. Enfim, perguntava-se por que lutar pela autonomia feminina implicava numa dessexualização e num certo embrutecimento da mulher. O próprio jornal, em edição de março-abril de 1981, explicava seu título, afirmando:“Por que Mulherio? Mulherio. Quase sempre a palavra é empregada em sentido pejorativo, associado a histerismo, gritaria, chatice, fofocagem, ou então, “gostosura”. Mas qual é a palavra relacionada à mulher que não tem essa conotação? (...)Mulherio, por sua vez, nada mais é do que “as mulheres”. E’ o que somos, é o que este jornal será. “Sim, nós vamos nos assumir como Mulherio e, em conjunto, pretendemos recuperar a dignidade, a beleza e a força que significam as mulheres reunidas para expor e debater seus problemas. De uma maneira séria e conseqüente, mas não mal-humorada, sisuda ou dogmática.”Enfim, nesse novo feminismo, a estética, os cuidados de si, a saúde e a beleza do corpo passavam a fazer parte do leque temático sem, contudo, significar uma adesão acrítica aos ideais de beleza veiculados pela mídia. Muito ao contrário, passavam a compor as discussões relativas à saúde, vista agora numa perspectiva ampliada. Assim, vários artigos discutiam que tipo de beleza as feministas desejavam (“A beleza produzida”, “Espelho, espelho meu”, de Sivia Beck), enquanto a psicanalista Maria Rita Kehl questionava a aceitação/negação machista do corpo feminino, aceito apenas enquanto expressão de um determinado padrão estético:< “Se os homens afirmam que vêm na mulher antes de mais nada belos contornos, considero isso como um empobrecimento de sua capacidade de olhar e ver. Estou convencida de que nosso olhar sabe encontrar no homem sinais do que ele é, além dos contornos de sua musculatura.” (KHEL, Maria Rita. Mulherio, ano 2, no.5, jan-fev.1982, p.14-15).
A psicanalista feminista reforçava sua crítica observando como para ser ao mesmo tempo “moderna e atraente dentro dos padrões da boneca de luxo de antigamente”, as mulheres precisavam consumir muito mais, no interior de um sistema de referências ditadas pelo mundo masculino, em que o corpo feminino deveria ser ágil, limpo, magro, cheiroso e rígido. Propunha radicalmente “a subversão de nossos conceitos estéticos”: “A maior beleza é a do corpo livre, desinibido em seu jeito próprio de ser, gracioso porque todo ser vivo é gracioso quando não vive oprimido e com medo. E’ a livre expressão de nossos humores, desejos e odores; é o fim da culpa e do medo que sentimos pela nossa sensualidade natural; é a conquista do direito e da coragem a uma vida afetiva mais satisfatória; é a liberdade, a ternura e a autoconfiança que nos tornarão belas. É essa a beleza fundamental.” (idem) O repensar das práticas feministas levou, ainda, à decisão de abrir os guetos feministas e encontrar os inúmeros canais disponíveis e outros movimentos que ocorriam na sociedade.
As feministas ampliaram seu raio de atuação, entrando nos sindicatos, partidos, espaços de diferentes entidades da sociedade civil e, sobretudo, no “movimento de mulheres”, que se articulara, desde os anos setenta, na periferia de algumas cidades, como em São Paulo, apoiado pela Igreja de esquerda e pelos grupos políticos envolvidos na luta pela redemocratização. Esse movimento, embora mobilizasse um número excepcionalmente grande de mulheres, não levantava questões feministas como bandeira de luta. Lutava por creches, por transportes urbanos, por melhores condições de vida sem, contudo, serem incluídas questões femininas importantes, como o aborto e a violência sexual contra as mulheres, temas bastante pertinentes nos meios pobres e ricos. Assim, o contato que se estabeleceu entre os dois movimentos liderados pelas mulheres – o movimento feminista e o movimento de mulheres – foi certamente muito lucrativo para todas. Para as feministas, porque passavam a atingir uma rede muito mais ampla de mulheres; para as mulheres pobres da periferia, porque lhes traziam questões que dificilmente seriam enunciadas espontaneamente, como as referentes à moral sexual, ao corpo e à saúde. Fundamental nessa associação, o feminismo desenvolveu e ampliou suas bandeiras de luta, dando destaque às questões da violência contra as mulheres e dos direitos reprodutivos. Vale lembrar que, nesse período, e como parte de seu próprio processo de abertura aos diferentes canais de participação social e política, o feminismo também se caracterizou por iniciar um diálogo com o Estado, sobretudo a partir de 1982, com a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo. Em 1985, surge a primeira Delegacia Especializada da Mulher. Para muitas, isto significou um enorme perigo de institucionalização dos movimentos feministas, ameaçados de ser absorvidos pelo Estado “pós-autoritário”, mas ainda machista, enquanto outras julgaram os benefícios que daí poderiam resultar. Assim, se de um lado foram implementados determinados programas de ação como o PAISM – Plano de Assistência Integral à Saúde da Mulher – em 1984, a partir das propostas feministas de cuidados com o corpo e a saúde, de outro, várias feministas apontaram para as dificuldades de implementação efetiva do programa, que não contava com o apoio necessário do Estado.
Sem dúvida, são enormes as conquistas realizadas pelos feminismos em todos os campos da vida social, ao longo dessas décadas, especialmente no que se refere à aceitação das mulheres no mercado de trabalho e ao seu reconhecimento profissional. Por outro lado, não há como negar o fato de que todas as conquistas arduamente ganhas ao longo dessas últimas décadas pelos feminismos não estão consolidadas. Ao contrário, são continuamente ameaçadas por pressões machistas as mais conservadoras. Uma das principais queixas das “novas mulheres”, em geral, é a dupla jornada do trabalho e o acirramento da competição no mundo masculino. As duas questões não podem ser dissociadas, se considerarmos que a exigência da qualidade do trabalho feminino ainda é muito maior do que a que se dá em relação aos homens. As mulheres ainda pagam um alto preço por participarem da vida pública, como continuam a denunciar as feministas. Na verdade, a libertação feminina acarretou um aumento muito grande do trabalho feminino, especialmente para as casadas ou com filhos. A guerra entre os sexos não terminou e, aliás, se acentua nos novos fronts: o profissional e o afetivo, transformando radicalmente o modo de pensamento, com suas problematizações diferenciadas.

Você que é mulher e leitora do meu blog, já pode se retirar, percebendo que a mulher no Brasil do século 21 deixou de referir-se à prostituta, aliás, associação da qual atualmente quase ninguém mais se lembra...sorte a nossa!


Pesquisa em várias fontes. Algumas referendadas no texto.

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