segunda-feira, 27 de abril de 2009

“Nós acabamos com a briga entre o samba e rock. Unimos Jimi Hendrix com Ataulfo Alves”


Há mais ou menos 40 anos, quando o Brasil sofria com o auge da repressão da ditadura militar, nascia, em um apartamentinho de Salvador, o grupo Novos Baianos. Os jovens músicos viveram uma anarquia saudável, uma liberdade criativa e uma filosofia de coletividade que resultou em nove discos. Um deles, Acabou Chorare (1972), está entre os melhores álbuns da história da música popular brasileira. Músicas e histórias para contar não faltam. Afinal, os dez anos que passaram juntos, ou melhor, grudados, foram tempos vividos intensamente e de muita fartura produtiva. Desde o comecinho, quando Moraes Moreira, de Ituaçu, e Galvão, de Juazeiro – que se conheceram por intermédio de Tom Zé –, imediatamente produziram muitas músicas, várias delas rabiscadas nas paredes do quarto na capital soteropolitana. Moraes compunha as melodias, Galvão escrevia as letras, faltava alguém que cantasse. Aí conheceram Paulinho Boca de Cantor e depois Baby (a única que não é baiana, mas de Niterói) e Pepeu Gomes. A banda se completou com Dadi, Jorginho, Baixinho, Bolacha e Charles Negrito. Muito ligados aos alunos do curso de Ciências Socias da Universidade da Bahia, tocavam nas festas da faculdade que eram frequentadas por um pessoal bem enfronhado no meio cultural baiano. As noites passadas no antigo Bar Brasa, no Rio Vermelho, o point boêmio da cidade, também renderam bons contatos. Numa dessas Caetano Veloso foi falar com eles: “Vocês são Moraes e Galvão? Já soube que são bons”. A projeção foi rápida e Caetano ficou amigo, inclusive escreveu o programa do primeiro show oficial do grupo. Evento que, por sinal, foi adiado uma vez porque eles cederam a banda para o show de despedida de Caetano e Gil, que estavam indo para o exílio. Finalmente o show O Desembarque dos Bichos aconteceu com eles irrompendo no palco do Teatro Vila Velha de um disco voador de papelão. Irreverência e inventividade viraram sua marca. Tudo era feito de maneira prazerosa, divertida, e a música era o que possibilitava isso. Mistura fina Baby era a única mulher. Com seus 17 anos, era a mais nova e também a mais ousada. “Ela trazia a modernidade”, diz Galvão, o mais velho, o poeta e o mais estudado. Cada um dos integrantes carregava identidade e formação musical próprias. Em comum, a paixão pela música. Assim, juntaram as bagagens e rumaram para o Rio de Janeiro. A cidade com certeza abraçaria essa nova safra de criadores. E abraçou. A turma recém-chegada alugou um apartamento em Botafogo. Dinheiro ainda não era problema: consta que chegaram a pedir trocados na rua quando houve necessidade. “Morávamos juntos, comíamos o que dava, mostrávamos como realmente éramos”, afirma Paulinho Boca, citando a convivência intensa como um dos fatores fundamentais para o sucesso do grupo. “Nossa vida era um eterno ensaio e o processo criativo não parava”, diz. Mas eles tiveram ainda muitos outros méritos. A vivência musical diversificada certamente foi um deles. Moraes tinha no sangue a cultura do recôncavo, era fã de Luiz Gonzaga. Galvão, amigo de João Gilberto, também de Juazeiro, achava a Bossa Nova a coisa mais inovadora do mundo. Paulinho era cantor da orquestra Carlitos, que tocava em festas. Pepeu, nossa versão hendrixiana, tirava na guitarra os acordes do rock, e Baby era a moderninha de plantão. Junte a tudo isso os constantes encontros com João Gilberto ainda no apê de Botafogo, as visitas frequentes de Caetano e Gal Costa... Foi João Gilberto que mostrou a eles a beleza dos sambas das décadas de 30 e 40. Um dos maiores sucessos foi a interpretação que fi- zeram de “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente. “Nós acabamos com a briga entre o samba e rock. Unimos Jimi Hendrix com Ataulfo Alves”, afirma Moraes Moreira. Mistura fina Como todos os jovens da época, os Novos Baianos também viviam num clima de paz, amor, música e... drogas. “Tínhamos uma visão romântica da situação. Não existia o esquema pesado de tráfico que se vê hoje. Nem todo mundo experimentou e ninguém era viciado”, diz Paulinho. Galvão lembra, divertindo-se, que cocaína era caretice para eles. O barato era maconha e ácido, mas tudo já passou e teve sua utilidade, como ele mesmo brinca: “Acho que por isso não viramos terroristas. Eu mesmo, antes de entrar para os Novos Baianos, cheguei a bolar com um amigo um plano para sequestar um avião em Petrolina para lutar na guerrilha do Araguaia. Aí fumei um baseado e acabei desistindo”. Apesar de tudo, eles não eram doidões ou irresponsáveis. Eram mais da linha maluco beleza. Eram vegetarianos e se interessavam por espiritualidade. Não é de espantar (muito) que hoje a carreira da Baby seja focada em música gospel. Galvão conta que muitas noites eles liam a Bíblia e havia uma crença respeitada por todos: a casa precisava estar sempre limpa e bem cuidada para que a criatividade fluisse, os contratos aparecessem, só coisas boas acontecessem. E aconteciam como por milagre, “o milagre baiano”, como gosta de dizer Moraes Moreira.A repressão política rolava solta naqueles anos e é difícil entender como os Novos Baianos não caíram nas garras do autoritarismo vigente. Cada um tem sua teoria sobre isso. Para Paulinho, a repercussão da prisão de Caetano e Gil foi muito grande e ruim para os militares, que, por isso, resolveram deixar a turma em relativa paz. Moraes diz que a patota de verdeoliva não mexeu com eles porque não sabia bem como enquadrá-los: “Comunistas eles tinham certeza que não éramos, nos achavam uns hippies e só. Nossas figuras estéticas – roupas, cabelões – eram nossa forma de protesto”. Ainda bem que eles ficaram no Brasil e puderam lançar o primeiro disco.


Pesquisa: Site uol/ wikipédia/ Revista Vida Simples

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