sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Amor de carnaval


Eles se conheceram num bloco que passava nas ladeiras, nem lembram mais qual deles era. Se viram de longe, sorriram e logo, se beijaram. Ela bebe cerveja. Ele, cachaça. O coração pulsando ao som do frevo. Ele diz que ela é a mais bonita da multidão, e que gostou da sua ousada fantasia de colombina estilizada. Ela pensa, "ousadia? Mas esse cara nem me conhece", mas aceita a cantada, já tinha beijado mesmo. Ficaram juntos até o bloco se desfazer na ladeira do Amparo. Ele vai embora e não consegue parar de pensar nela. E ele gosta de imaginar qual é a forma do seu corpo sem fantasia...Ela acordou no domingo de carnaval com a voz dele na secretária eletrônica cantando "colombina onde está você, eu vou dançar até o pé se lascar. Me liga!". Ela correu pra atender, mas não deu tempo. E morreu de rir ao ouvir o recado. Ele deixou um número e se encontraram no Mercado da Ribeira. "Não consigo parar de pensar em você. Quero continuar o que ainda não começamos", ele disse olhando fundo nos olhos dela. Ela sorriu e pensou que ele só podia ser um louco, porque só foi um beijo rápido de carnaval. Mas, ela já sabia que ela também já tinha o homem que bebe cachaça na cabeça. Ela sempre gostou de paradoxos. Depois de várias lapadas de cachaça, ele já fazia declarações de amor com a mesma tranqüilidade que se acende um cigarro depois do café ou de comer um prato de filé com fritas. Aos trinta anos um homem já tem opinião formada, mas quase bêbado e ao som do maracatu, só podia ser uma fantasia. Mas, ela estava adorando ouvir. Ela rodopia o corpo leve, inescrupuloso, e saiu dançando até ficar toda suada. Para ele, isso a deixou ainda mais sexy. Ela pensou que estava perdendo seu carnaval e achou melhor ir embora, afinal todos sabem que histórias de carnaval nunca dão certo. Na esquina da rua se virou e acenou para ele, que recuou um passo e arregalou os olhos, se protegendo atrás do boneco gigante. Ela esperou alguns segundos, ele reapareceu e acenou de volta com um gesto duro e frio como um espasmo. Ela levantou de leve os ombros, deu meia-volta e dobrou a esquina. Ele se sentou na calçada, acendeu um cigarro e olhou a fumaça. Ele achava que ela era diferente. O cheiro dela. Era um cheiro que ele não sabia explicar, um cheiro impossível, que só se sente quando não sente direito, só percebe quando não presta atenção, misturado com cheiro de flores, incenso, creme hidratante, chiclete de menta e suor. Ela desistiu e voltou para o lado dele. Os dois primeiros anos deles juntos foram ótimos. Ele gostava do bom humor dela, do seu jeito apressado de encarar as coisas. Olhava para ela e se lembrava dele. "Sinto uma certa pressa", ela diz. "De quê?", ele quer saber, mas ela não sabia responder. Ele gostava de palavras, explicações, e algumas ela não sabia dar. Ela gostava da maturidade dele. Daquele jeito pouco apressado de olhar o mundo. Uma calma típica dos que sabem e não têm medo disso, dos que sabem que nem sempre foi assim. Era aquela calma dele que ela procurava, mas ela tinha pressa, muita pressa de encontrá-la. E foi justamente aquela calma que um dia começou a ocupar espaços desconhecidos nela e revelou uma solidão imensa, só dela. Ela teve medo, muito medo, do silêncio. Era como se de repente não houvesse mais nada além das paredes daquele apartamento. Ele a abraçou. Eles transaram. Ela foi embora, levando a imagem dele. Ela não conhecia mais os caminhos, não era capaz de se distinguir daqueles reflexos, não sabia mais que direção tomar. Ela percebeu que era sábado de carnaval. Pierrôs, colombinas, melindrosas e orquestras de frevo se misturam nas ladeiras de Olinda e ela ali pensando como se a história nunca tivesse sido sua. Fazia tempo que ela tinha ido embora e ainda sentia uma saudade alucinada dos dois. Daquele homem que estava atrás do bloco anos atrás. E ele acendendo mais cigarros tentando moldar com a fumaça uma outra imagem que não a dela. Estão em pedaços. Tudo porque deixaram de ser aquele bêbado e aquele colombina do sábado de carnaval.

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